quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Poesia / artista convidada: Morgana Fonta

Palavras...
Prefácio por Apollomagno


O que são palavras?
O dicionário nos dá uma definição interessante para palavra como sendo: linguagem, vocábulo, termo, afirmação, compromisso de honra, expressão ou limite.

Mas será que além da importância etimológica da palavra, será que já nos demos conta da real importância que ela ocupa em nossas vidas?
Em certas culturas e religiões as palavras podem adquirir sentidos completamente distintos do que costumeiramente se poderia pensar...

A Kabalah Judaica, por exemplo, interpreta os Sagrados Textos Semíticos dando lhes outro significado diferente do que aparentemente está escrito em cima de cada palavra (tal como seus estudos sobre as infinitesimais variantes do nome de Deus) um fascinante exemplo de que é possível transcender o entendimento dando um valor abstrato e profundo ao que é aparente e visível.

A escrita egípcia também pode servir de exemplo, afinal era de caráter sacro e religioso reservado aos sacerdotes e faraós, iniciados nos ritos daquela cultura desde pequenos, conforme nos diz Heródoto em sua “História”, onde mais uma vez podemos ver as “palavras” (ou linguagem se preferir) sendo destinada a um fim religioso, maior do que o que estamos habituados costumeiramente.
Em se tratando de dar uma outra finalidade ao ato de utilizar as palavras podemos citar à conhecida sílaba mântrica OM utilizada atingir níveis mais elevados de consciência e percepção, isso sem mencionar as filosofias herméticas, as sociedades secretas, ou os “círculos” iniciáticos, que atribuem um caráter mágico, arcano e muitas vezes metafísico as palavras.


Partindo da esfera transcendental para a terrena, podemos ver outro exemplo igualmente interessante sobre a temática das palavras, agora nos antigos provérbios da sabedoria chinesa, aos quais cito alguns aqui:

“ Nos lábios mel no ventre uma espada” .
“ Palavras ríspidas e argumentos pobres nunca resolvem nada” ou “ As palavras mais significativas são aquelas que não são ditas.”

Já no norte da índia encontramos Sidarta Gautama, que também nos dá um contraponto importante e uma visão singular sobre as palavras em um de seus textos: “No início da vida, não nos expressamos com palavras, mas em um dado momento, todas as palavras já não conseguem nos expressar”.


Até Salomão, o famoso rei hebreu, descreve habilmente o ato de falar e sua influência na vida do homem: “Até o estulto quando se cala se passa por sábio”.
Como vimos, à percepção do homem em relação dar importância a sua linguagem não é característica de um só povo, cultura ou religião, mas de toda humanidade como um todo, afinal há tempos o homem percebeu que o ato de se comunicar, oralmente ou de forma escrita, ocupa um papel fundamental e transcendental em sua vida.

Usando as Escrituras Sagradas como exemplo novamente, especialmente aqui se tratando dos livros que são atribuídos a Moisés, (seja na Torah como é conhecida para os adeptos do judaísmo ou simplesmente Antigo Testamento para os cristãos: sejam estes católicos, protestantes ou anglicanos) em ambos casos o livro de Gênesis apresenta um valor criador à palavra, relatando que Deus criou o mundo do nada pelo poder de sua própria palavra, trazendo o mundo do vazio da existência que outrora havia (olhando por esse prisma não chega a ser difícil entender como as palavras são capazes de criar reações em nós, na sociedade e no universo... como crêem algumas crenças).


Outra passagem interessante agora no novo testamento no evangelho de S.João apresenta Cristo Jesus como verbo, palavra, dizendo: “ O Verbo se fez carne e habitou entre nós “ ou seja, Jesus era a própria “palavra” de Deus encarnada no meio dos homens. No mesmo texto encontramos outra referência interessante sobre Jesus, Deus e a trindade onde se lê: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” coincidências à parte, muitas culturas antiqüíssimas também atribuíam um valor quase que “mágico”, especial, divino ou importante às palavras.
A milenar cultura Árabe, por exemplo, também expressa belamente a importância que a palavra ocupa na vida do homem:

“A Língua mata mais homens do que a espada.”
“Não gaste duas palavras se uma única basta.”
Ou ainda “ Um mudo sensato vale mais do que um tolo que fala” (entre muito outros).

Um texto bíblico bastante conhecido que remete também a temática da palavra no âmbito humano nos diz o seguinte: “A boca fala do que o coração está cheio...”

Vendo por este ponto não chega a ser à toa o cuidado que um escritor, um diplomata ou um artista se dedica ao utilizá-las, afinal uma palavra dita sem pensar ou mal interpretada pode causar tamanho estrago, (haja vista a situação diplomática entre o Papa e o Extremo Oriente estes tempos atrás).
Afinal o que são palavras além de signos que têm o poder de trazer a existência: idéias, conceitos, representações, virtudes, sensações, vontades, desejos, sentimentos, imagens, objetos e intentos?
Palavras transcendem sua própria natureza fonética ou escrita, são umas das primeiras invenções do próprio homem, os corolários da própria condição da espécie humana, um atributo imanente e inseparável deste, que é a linguagem.


É por essa razão, devido ao carinho e a importância que observo cada vez que escrevo um texto ou leio um livro, que prefacio hoje o trabalho desta personalidade incrível, dotado de uma rara capacidade para a poesia, uma verdadeira artesã das na arte de “obrar” e criar com as palavras, como vocês a talentosa amiga e poetisa:

Morgana Fonta / Poetisa
Contato:
morganafonta@gmail.com













Imagens


Na estrada que percorro
Avisto muitas pedras
E todos os retratos
Que carrego em meus bolsos
Arremesso ao oceano
Amarro laços nos meus dedos
Pra não esquecer das dúvidas
E quando caio em meu deserto
Queimo os pés
sangro muito
Atrelada as correntes do passado
Hoje, no espelho em que me vejo presa
Escrevo cartas intermináveis
Com o sangue que escorreda faca afiada que são meus dedos.

Infinita demais


Demasiada sou eu.

Eu a quem a lua pede suplicante um olhar.
Eu a quem os astros jogaram na terra
Pra que não houvesse mais confusão no céu.
Sou aquela que morde, não beija.
A de unhas cravadas em suas costas,
A de felicidade espontânea,
De êxtase sem igual.
Sou feliz sozinha
E me viro só.
Se por essas ruas incertas ando
É que sei onde vou chegar.

Não tenho medo do escuro.
Não tenho medo da dor.
Já senti tudo isso,
Já provei teu sabor arisco
Que foge de mim sem pudor,
Mas não me esforço pra ser assim,
Sou simplesmente eu.
O que quero ser agora?
Recrio em mim mesma
E transformo em ideal,
Irreal, real,
Sem pudor de mim.

Inês

A tarde pôs - se vermelha por penitência
Ninguém ouviu o que eu tinha pra contar
Nenhuma dor agora importa,
Tanto faz se
Inês nasceu ou é morta.
Flores não dizem coisa nenhuma.
As flores estão mortas
Ou profundamente tortas,
E o que eu tinha pra contar
A tarde emudeceu.
Ela apagou,
Escureceu, nem avisou.
Fiquei triste, mas nascer e morrer é comigo.
Renasci,
Não sinto mais dor,
Só sinto pavor de não ter mudado muita coisa.
Não sei o que vi.
Nem sei explicar.
Devo ter morrido com Inês,
Ou quem sabe

Inês morreu comigo.
Não importa.
A esperança de ver outro pôr - do - sol
Vermelho como aquele,
é esperança morta.

(Tonho França e Morgana Fonta)

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